Viagens de metrô são menos sacrificantes que as de ônibus e que as de trem do subúrbio. Quando utilizo este meio sinto-me mais seguro e confortável. Pode ser impressão, mas os usuários parecem ser mais seletivos. As pessoas são mais apresentáveis, mais elegantes.
Dada a sua velocidade, o barulho incomoda um pouco, mas nada que comprometa uma boa conversa entre as pessoas. Não que eu goste de ouvir conversas alheias, mas tem assuntos que são impossíveis de não ouvi-los, mesmo dentro do metrô, ainda mais quando alguém fala alto ao celular. E não é que dia desses estávamos eu e o Amâncio, amigo de trabalho, cara recatado e sério, viajando numa dessas composições sentados lado a lado e, à nossa frente, nós e todos do vagão ouvíamos a jovem elegantemente vestida, travando uma conversa ao celular com o volume acima dos decibéis suportáveis ao ouvido humano, pouco se importando com a vizinhança.
– Meu querido, agora a coisa está feita, não tem conversa. (pausa).
– Não tem conversa, já lhe disse. Vou atrás de você até no inferno se preciso. (pausa) – Ouça aqui, eu sei que foi com você. Tenho certeza. Pare de duvidar da minha honestidade.
Após uma breve pausa ouvindo, ela volta a falar no mesmo diapasão – Bem que eu lhe pedi naquela noite, mas apressadinho que é nem quis colocar a camisinha. Agora quer tirar o corpo fora.
O meu amigo esboçou uma irritação e virando-se sussurra ao meu ouvido.
– Essa dona já passou dos limites, ninguém aqui é obrigado a ouvir essas coisas.
Para ser sincero eu estava até gostando, a curiosidade despertada estava acima de qualquer pudor, por mais que o tenha
O monólogo entre uma pausa e outra segue adiante. As pessoas a olham e disfarçam a indignação. Percebo que gente que desceria na próxima estação continua firme ali, à espera do desfecho.
Ela, alheia aos olhares e ouvidos atentos: – Lógico que eu vou procurar os meus direitos.
Pensasse na sua mulherzinha e no seu filhinho antes do bem bom
– Não, isso não. Tirar eu não tiro, de jeito nenhum.
– Outra pausa. Após ouvir, nervosamente ela responde aos gritos – Tenho certeza, não tem vindo nada e eu estou enjoada, enjoada desse assunto, enjoada de você…
Subitamente Amâncio perde a compostura, levanta-se, arranca o aparelho da mão da mulher e dedo em riste:
– Escuta aqui, minha senhora, dessa conversa enjoado estou eu. Eu assumo esse filho, mas pelo amor de Deus, pare com esse colóquio agora.
Samuel De Leonardo (Tute) é publicitário. Atuou em diversas agências de Publicidade de São Paulo. Publicou os livros: “Hacasos” em 2016 e “Versos & Prosas” em 2022. Tem alguns de seus textos inseridos nos sites Recanto das Letras, Casa dos Poetas e das Poesias, e textos radiofonizados na voz do âncora Milton Jung, no programete Conte a sua história de São Paulo da Rádio CBN SP. samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook@samueldeleonardo.
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