Centro de São Paulo, “janeirão” pra lá de quente. Passava das quatro horas da tarde, numa cidade abafada, abafada como é a vida nesta metrópole, como é o seu trânsito, como é a sua sofrida gente. Um calor insuportável de fazer inveja ao capeta. Há mais de meia hora, depois de uma reunião cansativa, estava eu postado à espera do ônibus para voltar ao escritório. Desconforto total. Em tempo, é sabido que esta urbe caótica pouco oferece em termos de transporte público.
Como já não bastasse o tamanho do calor, a fila indiana teimava em aumentar. Ao lado, na calçada invadida, camelôs bloqueavam a passagem e, numa gritaria desenfreada, ofereciam os mais variados produtos, cada qual com uma mensagem peculiar, – olha o abecê e a tabuada, é o abeceeê e a tabuada; – nova lei do inquilinato é a nova lei do inquilinato. Ainda, o bilheteiro em sua cadeira de rodas com o bordão – borboleta treze pra hoje, borboleta treze pra hoje, emendava uma sonora e quase incompreensível frase – vacagaloporco, vacagaloporco e ainda: vai dar veado, vai dar veado… Completado pelo hoje é seu dia de dia de sorte, como se os demais fossem de azar.
À minha frente um senhor calvo e barrigudo dentro de um terno azulão muito surrado e bem menor que o seu cadáver levava em uma das mãos uma maleta antiga, destas do tipo 007 castigada pelo tempo, enquanto que com a outra mão, digo, com o indicador desta, não parava de cutucar o nariz descontraidamente, levando o dedo até o cérebro, numa satisfação invejável, pouco se importando com a platéia. Atrás, uma simpática senhorinha toda elegante e tagarela não se cansava de falar da vida, dos filhos e dos netos, do marido que Deus levou e coisa e tal, sem parar de reclamar da demora do ônibus e do tempo perdido esperando este que vinha lá do bairro de Pinheiros, cortando todos os Jardins para finalmente chegar ao destino.
Eis que chega o Scânia e, tão logo encosta, nem deu tempo do motorista respirar, a senhorinha mais que depressa se dirigiu ao condutor e bracejando perguntou ironicamente se aquele ônibus vinha da Europa ou dos Estados Unidos. O homem distraidamente e sem se importar com os gestos dela respondeu laconicamente que sim, tanto na ida como na volta, o que deixou a anciã ainda mais alterada proferindo palavras agressivas:
– Onde já se viu desrespeitar uma senhora, fique sabendo que tenho idade para ser sua mãe, seu moleque malcriado – desferindo uma bolsada no pobre diabo.
Intervi falando para ela que o motorista apenas explicara o itinerário desta linha Que passa na ida e na volta pelos Jardins Europa e América e cruza a Rua Estados Unidos.
Samuel De Leonardo (Tute) é publicitário. Atuou em diversas agências de Publicidade de São Paulo. Publicou os livros: “Hacasos” em 2016 e “Versos & Prosas” em 2022. Tem alguns de seus textos inseridos nos sites Recanto das Letras, Casa dos Poetas e das Poesias, e textos radiofonizados na voz do âncora Milton Jung, no programete Conte a sua história de São Paulo da Rádio CBN SP. samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook@samueldeleonardo.
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