Helena, mulher na faixa dos trinta anos, moradora de uma pequena cidade do interior, namorara e noivara por cerca de 10 anos, porém, subitamente é abandonada. Desgostosa e envergonhada, entende que a melhor maneira de amenizar a humilhação seria mesmo de mudar de ares.
Muda de cidade e aloja-se numa quitinete. Solitária, a leitura não a distraia, a televisão também não a satisfazia e, com o coração em pedaços, passava o dia na janela do 2º andar admirando a paisagem, na tentativa de ludibriar a solidão. O campo visual pouco oferecia. Podia-se ver em linha reta um ponto de ônibus, e acima dele um painel estampando uma publicidade de uma agência de turismo com o título: “Viaje com o seu amor”. Essa visão a deprimira ainda mais, porém era o que tinha para ver.
Passados alguns dias, numa manhã observa que homens trocavam a mensagem, fixando outra no lugar. Curiosa, acompanha sem piscar o desenrolar da colagem, como se fosse um quebra-cabeça. Helena não arreda pé até desabrochar uma imagem que fez seus olhos brilharem, deixando-a esfuziante. Surge um formoso rapaz de cabelos loiros, com os olhos azuis fitando o infinito, deitado, sem camisas expondo um peitoral atlético, trajando apenas uma calça jeans, com a mensagem, “Pegador, o jeans que adere ao seu corpo”. O seu coração pulsa como nunca antes pulsara, fecha os olhos, concentra-se e em pensamento, beija os lábios daquele personagem ainda desconhecido, mas que fizera tocar seu coração. Anoitece e Helena nem percebe que desde a manhã esteve absorta a fitar a figura do rapaz.
Com muito custo adormece, mas tem sonhos confusos com a sua nova paixão. Ao acordar, a primeira coisa que faz é escancarar a janela para contemplar por horas a fio a figura do desconhecido. Veste-se elegantemente, maquia-se como nos bons tempos de outrora. Desce à rua e caminha pela calçada em direção ao outdoor, para diante do painel, apruma a cabeça rumo ao anúncio, fecha os olhos e beija o vácuo, mas percebe o quão ridículo está procedendo.
Saí do local imediatamente e caminha sem direção pela cidade até ao anoitecer. Após vagar por horas, retorna ao apartamento. Toma um demorado banho, mas sua vontade em contemplar a imagem é maior que sua sanidade, rende-se às suas alucinações. Sabia bem, estava atormentada com aquela situação, todavia, tomada por uma paixão indescritível, queria de toda forma estar nos braços do seu amado.
Duas semanas se passaram e o prazo da exposição do anúncio vencera e, numa manhã, aqueles mesmos homens, que deram vida ao cartaz do belo rapaz, o arranca impiedosamente para desespero da apaixonada que se sentia como uma viúva.
Outro cartaz é montado, enquanto Helena acompanha tudo até surgir a imagem de uma esplendorosa garrafa de cerveja suada, escancarando todo o frescor, tendo ao lado um copo com espumas transbordando pelas bordas, aguçando o desejo de Helena. Desce à padaria, adquire algumas ampolas da marca exposta. Da janela, a mulher parcialmente nua, continua admirando o painel que agora exibe a cerveja, mas sempre com o pensamento saudoso no homem sem camisa. Vez por outra, em êxtase, apanha uma birra estupidamente gelada, acaricia o pescoço da garrafa, e, no gargalo mesmo, sorve suavemente com sensualidade e volúpia, sempre deixando para o final uma parte do líquido derramar-se por entre os seios e escorrer pelo ventre até atingir os seus pés.
Samuel De Leonardo (Tute) é publicitário. Atuou em diversas agências de Publicidade de São Paulo. Publicou os livros: “Hacasos” em 2016 e “Versos & Prosas” em 2022. Tem alguns de seus textos inseridos nos sites Recanto das Letras, Casa dos Poetas e das Poesias, e textos radiofonizados na voz do âncora Milton Jung, no programete Conte a sua história de São Paulo da Rádio CBN SP. samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook@samueldeleonardo.
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