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COMPOSIÇÃO

Posso relembrar com exatidão e me perder na saudade dos primeiros anos passados no grupo escolar — o antigo curso primário.  Tinha pavor da tabuada.  Decorava para a chamada oral, porém, em dias de provas, era um Deus nos acuda!
Já em Linguagem — que tratava do ensino da língua portuguesa — até que me saia bem. Não tinha dificuldades nas aulas de “Ditado” e conseguia acertar quase todas as palavras, bem como nos exercícios de leitura, em voz alta e impostada obedecia a pronúncia e pontuações, camuflando minha leve gagueira e impressionando a mestra.
Mas, o que mais me satisfazia eram as atividades de redação e desenvolver os temas propostos para a composição, que consistia em descrever e contar uma história sobre um assunto a partir de uma gravura fixada na lousa. De todas as ilustrações apresentadas, uma continua gravada em minha memória, uma paisagem  mostrando destaque um automóvel azul seguindo por uma estrada cheia de curvas, envolta por montanhas cujos cumes tinham camadas brancas. Conforme a explicação da professora, tratava-se de neve, localizada nos Alpes Suíços, assunto sobre o qual eu nunca tivera conhecimento.
Os argumentos sobre o tema estavam claros, mas, para um menino criado na periferia de num país tropical, as informações geraram dúvidas, uma vez que meus horizontes eram limitados. Estamos falando de crianças que não tinham acesso à televisão, cinema, revistas e, muito menos, conviviam com alguém que tivesse um carro.
Então, o desespero: o que e como poderia escrever sobre algo não familiar? Pior ainda, ao término do exercício alguns dos alunos seriam escolhidos para ler sua composição. Não poderia desapontar a professora e o percebi que os colegas estavam também em apuros.
Tentei rabiscar algumas palavras mesmo sem noção e muito menos um vocabulário que pudesse expressar algo. Porém, já era tarde e chegara a minha vez de ler a composição, que fora curta e objetiva, mais ou menos assim: “O carro estava com muito frio que passou correndo tanto, mas tanto, que nem deu pra ver sua cor e para onde ele foi”.
Após as gargalhadas dos demais alunos, o que ocorreu foi um zero do tamanho da minha ousadia naquele exercício. Hoje, acredito que faltou sensibilidade da professora para um texto executado com tanto conteúdo e velocidade. Entrei numa fria.

Samuel De Leonardo (Tute)
samuel.leo@hotmail.com.br e Facebook @samueldeleonardo

 

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